A Lei 4.320, de 17 de março de 1964, estatui normas gerais de Direito Financeiro para a elaboração e o controle dos orçamentos e balanços de todos os entes da federação. Em 2024, essa norma completa 60 anos de vigência, contudo, a sua concepção remonta à década de 1940.
Vale ressaltar que a promulgação dessa lei ocorreu duas semanas antes da implantação do regime militar no país, que perdurou até 1985, tendo sido sancionada, portanto, pelo então Presidente João Goulart, que governou o Brasil entre 1961 e 1964.
Anteriormente à Lei 4.320/1964, o controle das finanças públicas na esfera federal era regido pelo Código de Contabilidade da União (Decreto 4.536, de 28/01/1922), regulamentado pelo Decreto 15.783, de 8/11/1922. Tais normas estipulavam que o exercício financeiro começaria em 1º de janeiro e terminaria em 30 de abril do ano seguinte e que o ano financeiro coincidiria com o ano civil. O código de contabilidade contava com 108 artigos enquanto o minucioso regulamento continha 925 artigos.
Diante da necessidade de uma regulamentação de finanças públicas para toda a federação, com fundamento no art. 5º, inciso XV, alínea “b”, da Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 18/09/1946, o então Deputado Federal pelo estado de São Paulo, Berto Condé (1895-1966), natural de Petrópolis/RJ, professor, advogado, e promotor de justiça, apresentou ao Plenário da Câmara dos Deputados, em 04/05/1950, o Projeto de Lei (PL) 201/1950, publicado no Diário do Congresso Nacional no mesmo dia, na edição de n. 76 (p. 3060-3070), uma sexta-feira.
Na justificação do PL 201/1950, consta a informação sobre um anteprojeto de normas financeiras para todo o país, elaborado no âmbito da Terceira Conferência de Técnicos em Contabilidade Pública e Assuntos Fazendários, ocorrida entre agosto e setembro do ano de 1949.
Em meio à Segunda Guerra Mundial (1939-1945), aludida conferência fora adiada por duas vezes, mediante decretos assinados pelo então Presidente da República Getúlio Vargas: em 09/06/1942, Decreto 9.610, que previa a realização da conferência para a primeira quinzena do mês de julho de 1943; e, em 21/09/1943, pelo Decreto 13.440, de 21/09/1943, que não previu data para a realização da mencionada conferência.
O deputado Berto Condé registrou que o anteprojeto produzido na Terceira Conferência de Técnicos em Contabilidade Pública e Assuntos Fazendários, em 1949, seria entregue ao Presidente da República para que este encaminhasse ao Congresso Nacional um projeto de lei, no entanto, a proposta foi encaminhada ao DASP (Departamento Administrativo do Serviço Público) e ali ficou sem tramitação. O então deputado registrou:
“Os contadores e os técnicos fazendários, e com eles a técnica e a administração financeira do país, não podem ser vencidos pelo capricho de certas pessoas acobertadas por uma burocracia emperrante. Acreditamos no Brasil!”.
Deputado Federal Berto Condé (PTB/SP) , em 1950.
Também foi registrado na justificação do PL 201/1950, hoje denominada exposição de motivos, que “a proposta orçamentária da União para 1950, organizada pelo Ministério da Fazenda e encaminhada pelo Exmo. Sr. Presidente da República ao Congresso, foi estruturada nos moldes da III Conferência e já observada pelos estados e municípios desde 1940”.
Acrescentou o deputado que “a proposta encontrou o melhor acolhimento por parte dos nossos parlamentares, sendo de se notar o grande empenho da Comissão de Finanças da Câmara dos Deputados em adotar os novos modelos, só cedendo em manter a estrutura anterior, em face de dificuldades oriundas da legislação ordinária em vigor e diante da perspectiva de serem quanto antes alterados tais dispositivos”.
Em 12/05/1950, no âmbito do processo legislativo na Câmara dos Deputados, o PL 201/1950 recebeu seis emendas de autoria do então Deputado Federal Aliomar Baleeiro, seguindo o projeto para as Comissões de Constituição e Justiça e de Finanças. Mais de dois anos após a apresentação na Câmara dos Deputados, o projeto de lei foi aprovado, em 14/12/1952, data em que foi remetido para o Senado Federal.
No Senado Federal o PL 201/1950 foi recepcionado como Projeto de Lei da Câmara 38/1952. Ficou estagnado por quase seis anos, recebendo parecer pela constitucionalidade em 28/05/1958 e, substitutivo, em 17/02/1962. Em 27/11/1963, o projeto de lei teve a sua redação final aprovada.
Possivelmente o projeto tenha sofrido influência para tramitação em razão das denominadas “reformas de base”, que “consistiam em propostas consideradas necessárias à renovação das instituições socioeconômicas e político-jurídicas brasileiras que tinham como objetivo remover os obstáculos à marcha do processo de desenvolvimento do país, no governo do Presidente João Goulart (1961-1964)” (Atlas Histórico do Brasil – Fundação Getúlio Vargas).
A Lei 4.320 foi então promulgada em 17/03/1964. James Giacomoni, em seu livro Orçamento Público, 11ª ed. (p. 58-59), menciona que essa lei foi produto híbrido resultante de inúmeras colaborações, desde o projeto da 3ª Conferência de Contabilidade, passando pelo substitutivo elaborado pelo Conselho Técnico de Economia e Finanças, pela colaboração de inúmeros especialistas de diversos estados e incorporando disposições dos manuais das Nações Unidas, particularmente a classificação econômica das transações governamentais.
O Futuro da Legislação de Finanças Públicas no Brasil
Tramita no Congresso Nacional projeto de lei de iniciativa do Senador Tasso Jereissati (PSDB/CE), que estabelece normas gerais sobre planejamento, orçamento, fundos, contabilidade, controle e avaliação na administração pública, que revogará a Lei 4.320/1964. Trata-se do Projeto de Lei Complementar – PLP 295/2016. A esse projeto inicial foi apensado o PLP 25/2022.
Contudo, informações divulgadas no blog conjuntura econômica, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV – IBRE), o Poder Executivo pretende apresentar ao Congresso Nacional proposta de anteprojeto de lei complementar, agora em março de 2024.
Segundo o blog, o Ministério do Planejamento/Secretaria de Orçamento Federal argumenta que há necessidade de atualização da lei de direito financeiro, primeiro em razão de um descompasso da lei em relação às boas práticas orçamentárias internacionais que surgiram após a crise econômica de 2008, além do descompasso com a Constituição Federal de 1988 que dispõe sobre as leis orçamentárias do plano plurianual (PPA) e diretrizes orçamentárias (LDO), deixando um vácuo normativo sobre esses importantes instrumentos.
Enquanto não se efetiva a nova reforma de direito financeiro e orçamentário, a Lei 4.320/1964 permanece em vigor, somando-se, aproximadamente, 80 anos entre debates, planos e a efetiva implementação das suas regras de finanças públicas no Brasil.
Renato Santos Chaves