Controles na Administração Pública

Gestão e Fiscalização de Contratos decorrentes da pandemia Covid-19

A gestão e a fiscalização de contratos administrativos firmados em situação emergencial decorrentes do enfrentamento ao coronavírus devem ter o mesmo tratamento previsto na Lei 8.666/1993. 

No dia 6 de fevereiro de 2020 foi sancionada a Lei 13.979, que dispôs sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, responsável pelo surto de 2019. 

Antes mesmo das festas de carnaval, que ocorreram entre os dias 21 e 26 de fevereiro de 2020, o governo federal já se programava para enfrentar a pandemia, com edição da aludida legislação.  

O art. 4º da mencionada norma (Lei 13.979/2020), previa, originariamente, que ficaria “dispensada a licitação para aquisição de bens, serviços e insumos de saúde destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus”.

Linha do tempo – Produção própria – Renato Santos Chaves

Em 20 de março de 2020, porém, a norma sofreu substancial alteração mediante a publicação da Medida Provisória (MP) 926.

Essa MP autorizou, excepcionalmente, a possibilidade de contratação de fornecedores de bens, serviços e insumos, de empresas com inidoneidade declarada ou com direito de participar de licitação ou contratar com o Poder Público suspenso, quando se tratar, comprovadamente, de única fornecedora do bem ou serviço a ser adquirido.

Outra autorização da MP 926 foi no sentido de que a aquisição de bens e a contratação de serviços não se restringisse a equipamentos novos, desde que o fornecedor se responsabilizasse pelas plenas condições de uso e funcionamento do bem adquirido.

Quanto à contratação, a MP 926 flexibilizou pela não exigência da elaboração de estudos preliminares, nos casos de bens e serviços comuns, assim como estabeleceu que o gerenciamento de riscos da contratação somente será exigível durante a gestão do contrato.

Os temos de referência ou os projetos básicos podem ser apresentados de forma simplificada, nos termos do § 1º do art. 4º-E da Lei 13.979/2020, inclusive com possibilidade de dispensa da estimativa de preços, desde que justificado pela autoridade competente.

Além de outras flexibilizações pontuais relacionadas com a contratação para o enfrentamento do coronavírus, a legislação não tratou especificamente da gestão e da fiscalização dos contratos.

Assim, a Lei 13.979/2020, alterada pela MP 926/2020, não alterou os procedimentos de gestão e fiscalização dos contratos administrativos para a espécie, devendo ser aplicada, principalmente no recebimento de obras, serviços, compras e locação de equipamentos, o previsto no art. 73 da Lei 8.666/1993.

O mencionado dispositivo da lei geral de licitações e contratos trata do recebimento do objeto adquirido, com a participação do responsável pelo acompanhamento e fiscalização do contrato. 

O recebimento corresponde à fase de liquidação da despesa pública, ou seja, é o ateste de que o objeto adquirido corresponde às características do que foi inicialmente contratado. Trata-se de ato administrativo de relevante importância para a administração pública e para a sociedade.  

Com efeito, o art. 67 da Lei 8.666/1993 dispõe que “a execução do contrato deverá ser acompanhada e fiscalizada por um representante da Administração especialmente designado, permitida a contratação de terceiros para assisti-lo e subsidiá-lo de informações pertinentes a essa atribuição”.

Nessa esteira, o escopo da responsabilização de agentes perante a administração pública amplia-se na medida em que os atos tendentes a dano ao erário evidenciam dolo e até mesmo culpa in eligendo e in vigilando.

Operações recentes dos órgãos de controle evidenciam a má gestão de contratos públicos para enfrentamento da pandemia do coronavírus, em alguns entes federados, indicando a prática de atos de corrupção.

Uma das primeiras ações deflagradas, em abril/2020, um mês após a entrada em vigor da MP 926, foi a Operação Alquimia que investigou superfaturamento e utilização indevida de inexigibilidade de licitação para compra de material de campanha de combate ao Covid-19 na Secretaria de Saúde do município de Aroeiras/PB. 

A Operação Alquimia contou com a participação da Controladoria-Geral da União (CGU), Polícia Federal (PF), Ministério Público Federal (MPF) e o Grupo de Atuação Especial Contra o Crime Organizado do Ministério Público da Paraíba (GAECO/MPPB).      

Outras operações da CGU, PF e MPF ocorreram nos estados do Amapá, Espírito Santo, Distrito Federal, São Paulo, Ceará, Rio Grande do Sul, Pernambuco, Acre, Amazonas, Maranhão, Rio de Janeiro, Pará e Rondônia.

Já o Tribunal de Contas da União (TCU), por sua vez, determinou ao Ministério da Saúde, por meio do Acórdão 1335-TCU-Plenário, que informe tempestivamente ao Tribunal sobre as contratações de enfrentamento à Covid-19.

O trabalho realizado pelo TCU foi um acompanhamento para avaliar a governança do Ministério da Saúde nas ações de combate à pandemia. Foram abertos créditos extraordinários pelo Governo Federal de R$ 14 bilhões e, apesar das solicitações, o Ministério da Saúde não tem informado ao TCU sobre as contratações da Covid-19.

Verifica-se, assim, que a má gestão e fiscalização de contratos administrativos decorrentes da pandemia do coronavírus, sem a observância dos preceitos da Lei 8.666/1993, intencionalmente ou não, tem o potencial de causar relevantes danos ao erário e à sociedade.

Renato Santos Chaves

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