Introdução
O objetivo deste ensaio é compreender a função do tesouro financeiro de uma corporação e demonstrar que a boa gestão desse departamento propicia o equilíbrio e o sucesso da entidade.
Para atingir o nosso objetivo, destacaremos fatos históricos exemplificativos ocorridos no Império Romano, passando pelo setor público brasileiro e por instituições privadas, para, ao final, concluir sobre o alegado equilíbrio e sucesso financeiro.
Conceitos
O termo “tesouro financeiro” corresponde aos recursos disponíveis a uma entidade, e é essencial para a gestão eficaz dos ativos e passivos, seja no setor público ou no setor privado.
No contexto do setor público, tesouro financeiro refere-se geralmente aos recursos disponíveis aos governos por meio da tributação e de outras fontes de receitas públicas, com vistas a ofertar políticas e ações governamentais em benefício da sociedade.
No setor privado, o tesouro financeiro corresponde aos recursos em caixa, ativos financeiros e fixos, investimentos de curto e longo prazos com o intuito da produção de bens e serviços, geração de lucros e empregos.
Assim, a gestão do tesouro está contida no âmbito da macroeconomia e tem relação estreita com a política fiscal, monetária, cambial, comercial e de rendas, contribuindo com as metas de emprego, estabilidade de preços, distribuição de renda e crescimento econômico.
Daí, a importância do tesoureiro, da tesouraria, dos profissionais e instituições que compõem o tesouro financeiro de uma organização.
Função de Questor no Império Romano
Tomando como ponto de partida o Império Romano (27 a.C. – 476 d.C.), a mais extensa estrutura política e social da civilização ocidental, encontram-se evidências históricas da subdivisão de funções no Poder Executivo, no período republicano, entre elas a função de Questor.
O Questor, aquele que questiona, era o cargo mais antigo e inferior na Roma antiga e considerado o passo inicial para as posições mais elevadas do governo romano. Dentre outras atribuições estava supervisionar o tesouro público, administrar propriedades públicas e coletar impostos.
Um dos questores de maior relevância na função foi atribuída a Marco Pórcio Catão (Catão, o Jovem, 95-46 a.C). Consta que Catão foi designado para supervisionar o tesouro romano por volta de 69 a.C. Antes de seu mandato, segundo artigo publicado na World History Encyclopedia, de autoria do professor Donald L. Wasson, muitos dos seus antecessores negligenciavam suas responsabilidades e permitiam que assistentes e escribas administrassem a papelada e as atividades diárias do tesouro.
O novo questor não concordava com essa prática. Catão estudou antecipadamente as obrigações do cargo bem como as funções do tesouro e, ao entrar em exercício, exigiu que os escribas mostrassem os registros, em prestação de contas. Ao revisar as contas, encontrou diversos erros, alguns por falhas e outros por fraude, além de descobrir dívidas não cobradas e documentos forjados – incluindo decretos senatoriais.
Catão considerou que a contabilidade era imprópria ou negligente e com procedimentos inadequados. Diante desse fato, levantou acusações contra muitos nobres romanos que deviam dinheiro ao estado. Em decorrência, escribas foram processados por má conduta, condenados e acabaram demitidos. Tribunais encheram-se de novos casos e juízes especiais tiveram de ser nomeados. Assim, sob o controle de Catão, a reputação de eficiência e justiça do tesouro romano aumentou.
Templo de Saturno, Roma – Elias Rovielo (CC BY-NC-AS)
O Ataque ao Cofre
O livro-reportagem 1808, de Laurentino Gomes, retrata no Capítulo 15 – O Ataque ao Cofre, a ineficiência do erário real, entre 1808 e 1821, quando a corte portuguesa mudou-se para o Brasil fugindo das investidas de Napoleão Bonaparte na Europa.
O erário real era comandado por Bento Maria Targini, que ingressara no serviço público como guarda-livros, posteriormente ascendendo à função de escrevente do erário, ante sua inteligência e disciplina, até chegar ao mais alto cargo nesta repartição. Encarregado de administrar as finanças públicas, o que incluía todos os contratos e pagamentos da corte, enriqueceu rapidamente.
Consta que, sobre todos os pagamentos ou saques no tesouro público, cobrava-se uma comissão de 17%. Caso o interessado não concordasse com essa “caixinha”, os processos de pagamento simplesmente paravam de andar. “A época de D. João VI estava destinada a ser na história brasileira, pelo que diz respeito à administração, de muita corrupção e peculato” (Oliveira Lima citado por Laurentino Gomes).
Para além desses contratos, a corte chegou ao Brasil em comitiva entre 10 mil e 15 mil funcionários, todos dependentes de recursos do erário. O tesouro real do Rio de Janeiro ainda bancava verba anual de custeio e de representação à aproximadamente 276 fidalgos e dignatários régios.
A área de compras e os estoques da casa real eram administrados por Joaquim José de Azevedo, departamento de onde saíam a comida, o transporte, o conforto e todos os benefícios que sustentavam os milhares de dependentes da corte. Azevedo teve sua imagem associada à roubalheira, maracutaia e enriquecimento ilícito, tanto que foi impedido de desembarcar em Lisboa, em 1821, quando do retorno da corte à Portugal.
O financiador de tamanhos gastos ficou sob responsabilidade do primeiro Banco Brasil criado pelo príncipe regente, em 12 de outubro de 1808, no Rio de Janeiro. Para atrair acionistas, prometeu-se pagar dividendos muito superiores aos resultados gerados pela instituição, que, falida, foi liquidada em 1820.
O Thesouro Público Nacional
No Brasil-Império de D. Pedro I, mediante a Constituição Política do Império do Brasil, de 1824, previa-se que as receitas e as despesas da Fazenda Nacional ficariam sob a responsabilidade de um Tribunal denominado “Thesouro Nacional”, que tinha a responsabilidade de elaborar, anualmente, um Balanço Geral de receitas e despesas, subsidiando a prestação de contas do Ministro da Fazenda à Câmara dos Deputados.
O “Tribunal do Thesouro Público Nacional”, juntamente com as “Thesourarias das Províncias” foram organizados mediante a Lei de 04/10/1831, ou seja, sete anos após a entrada em vigor da Constituição de 1824.
Competia ao “Tribunal do Thesouro Nacional” a suprema direção e fiscalização da receita e da despesa nacional, inspecionando a arrecadação, distribuição e contabilidade de todas as rendas públicas, além de decidir sobre todas as questões administrativas inerentes a sua atuação.
As Thesourarias das Províncias eram subordinadas ao Tribunal do Thesouro Nacional, compostas de um Inspetor de Fazenda, de um Contador e de um Procurador Fiscal, e responsáveis pela arrecadação, distribuição, contabilidade e fiscalização de todas as rendas públicas de cada província em específico.
A Secretaria do Tesouro Nacional
Em 10 de março de 1986 foi criada a Secretaria do Tesouro Nacional (STN), como um dos órgãos centrais de planejamento, coordenação e controle financeiro, diretamente subordinada ao Ministério da Fazenda.
A STN, atualmente, possui competência em 45 áreas distintas, entre elas: i) zelar pelo equilíbrio do Tesouro Nacional; ii) editar normas e procedimentos contábeis para o registro adequado dos atos e dos fatos da gestão orçamentária, financeira e patrimonial dos órgãos e das entidades da administração pública; iii) consolidar as contas públicas por meio da agregação dos dados dos balanços da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; e iv) elaborar e divulgar, no âmbito de sua competência, estatísticas fiscais, demonstrativos e relatórios, em atendimento a dispositivos legais e acordos, tratados e convênios celebrados pela União com organismos ou entidades internacionais.
A STN também administra o Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal (Siafi) e o Sistema de Informações Contábeis e Fiscais do Setor Público Brasileiro (Siconfi), sistemas que, além de controle, propiciam a geração de informações gerenciais. No setor de transparência, a STN mantém o Tesouro Transparente, portal que disponibiliza dados e séries históricas em formato aberto para consulta pública.
Neste sentido, a teoria da governança e da transparência confere fundamento ao estudo das estruturas, processos e práticas que influenciam a forma como as organizações são dirigidas, controladas e monitoradas, permitindo que os interessados compreendam melhor as atividades e decisões da organização, o que pode aumentar a confiança, a integridade e a redução do risco de má conduta.
Assim, no âmbito institucional do controle da administração pública, a verificação das informações produzidas, custodiadas e disponibilizadas pelo Tesouro Nacional compete aos órgãos de controle interno e externo, a exemplo da Controladoria-Geral da União (CGU) e do Tribunal de Contas da União (TCU).
A Lei Sarbanes-Oxley
No âmbito da iniciativa privada, o tesouro financeiro ganhou contornos de importância quando veio à tona fraudes em demonstrações contábeis de empresas que operavam no mercado financeiro dos Estados Unidos da América (EUA).
Um caso emblemático foi o escândalo da Enron Corporation, umas das maiores empresas de energia dos EUA, que declarou falência em 2001, após ter revelado que havia escondido bilhões de dólares em dívidas e perdas financeiras em entidades fora do seu balanço, culminando em prejuízos para acionistas e alertas sobre práticas contábeis e de auditoria empresarial.
Outro caso foi o da empresa WorldCom, uma das maiores corporações de telecomunicações do mundo. Em 2002, a empresa anunciou que havia inflado seus lucros em quase US$ 4 bilhões por meio de práticas contábeis fraudulentas.
Além das duas empresas mencionadas, outros escândalos, como os das empresas Tyco International e o da Adelphia Communitatios, contribuíram para um clima de desconfiança e preocupação com a integridade dos mercados financeiros.
Esses escândalos expuseram falhas significativas no sistema regulatório e de governança dos EUA, incluindo conflito de interesses em auditorias, falta de transparência nas demonstrações contábeis e práticas contábeis criativas.
Em resposta a esses eventos, o Congresso dos EUA aprovou a Lei Sarbanes-Oxley (SOX), proposta pelo Senador Paul Sarbanes e pelo Representante Michael G. Oxley, que visava restaurar a confiança dos investidores nos mercados financeiros, fortalecendo a governança corporativa, aumentando a transparência e impondo penalidades mais rigorosas para práticas contábeis fraudulentas.
Conclusão
O objetivo deste ensaio foi apresentar casos práticos para reflexão sobre a importância do tesouro financeiro nas organizações públicas e privadas.
No setor privado, a Lei Sarbanes-Oxley estabeleceu a criação de uma entidade independente para supervisionar auditorias em empresas de capital aberto, empresas devem fortalecer seus controles internos, os relatórios financeiros devem ser divulgados em detalhes, além de modificações nos padrões de contabilidade e de auditoria financeira.
No setor público, os dados devem ser auditados por órgãos de controle, a exemplo da CGU e do TCU, em âmbito federal.
Nos dois setores de análise, o fortalecimento dos tesouros financeiros tem fundamento na teoria da governança e da transparência, propiciando pesquisas futuras e busca de soluções para a integridade do tema analisado.
Renato Santos Chaves
Referências:
Gomes, Laurentino. 1808: como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta engaram Napoleão e mudaram a história de Portugal e do Brasil. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2007.
Vicentino, Cláudi. História Geral. Editora Scipione. São Paulo, 2002.
História do Tesouro Nacional. Disponível em [https://www.gov.br/tesouronacional/pt-br/acesso-a-informacao/institucional/historia-do-tesouro-nacional]
O Livro dos Negócios. Tradução Rafael Longo. 2 ed. São Paulo: Globo Livros, 2017.
Wasson, D. L. (2023, Agosto 23). Questor [Quaestor]. (R. Albuquerque, Tradutor). World History Encyclopedia. Obtido de https://www.worldhistory.org/trans/pt/1-11784/questor/